Marcelo Xavier de Freitas Crespo e Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos
É inquestionável que as redes sociais se tornaram extremamente populares e, para muitos, praticamente se confundem com a própria Internet. Mas apesar das benesses propiciadas pelo uso da tecnologia tais como a realização de negócios, amizades, relacionamento afetivos e até mesmo casamentos, fato é que, por diversas vezes, as redes sociais servem de ferramenta para a prática dos mais variados ilícitos. E muitos deles estão relacionados a perfis falsos também conhecidos como “fakes” (termo oriundo do vernáculo bretão e que significa “falso”).
É inquestionável que as redes sociais se tornaram extremamente populares e, para muitos, praticamente se confundem com a própria Internet. Mas apesar das benesses propiciadas pelo uso da tecnologia tais como a realização de negócios, amizades, relacionamento afetivos e até mesmo casamentos, fato é que, por diversas vezes, as redes sociais servem de ferramenta para a prática dos mais variados ilícitos. E muitos deles estão relacionados a perfis falsos também conhecidos como “fakes” (termo oriundo do vernáculo bretão e que significa “falso”).
Uma
das principais questões sobre os perfis falsos nas redes sociais diz
respeito ao uso não autorizado de imagens de terceiros muitas vezes
disseminando conteúdos que afrontam a honra, expondo as vítimas ao
ridículo e a situações constrangedoras. Evidentemente, pelo apelo
natural de suas imagens as pessoas públicas são grandes vítimas
potenciais, mas não são as únicas, haja vista ser cada vez mais comum
pessoas não públicas serem igualmente alvo deste tipo de ilícito.
Quando o Código Penal
foi redigido não se podia prever o nascimento da Internet e das redes
sociais. Mesmo assim, nossa legislação prevê alguns crimes de falsidade
que, inclusive, se aplicam às condutas perpetradas por meios
tecnológicos.
Nesta perspectiva, são
bastante comuns na Internet os crimes de falsa identidade e a falsidade
ideológica. No primeiro deles alguém se passa por outrem, utilizando
dados e até mesmo senhas, em proveito próprio ou alheio, ou para causar
dano. As credenciais de acesso a uma rede social, por exemplo, quando
usadas por outra pessoa que não o seu titular, com o fim de obter
vantagem ou causar dano, pode ser subsumida ao crime do art. 307 do
Código Penal (falsa identidade). No segundo caso, há inserção de dados
falsos ou omissão de algo que deveria constar, em documentos públicos ou
particulares, com intenção de prejudicar direito, criar obrigação ou
alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Esses documentos
podem ser formulários constantes de páginas da Internet ou mesmo das
redes sociais. Nada mais é, portanto, do que mentir em um documento, ou
alterar seu conteúdo, para modificar o direito de alguém (criando,
modificando ou extinguindo um direito ou uma obrigação) para obter algum
tipo de vantagem, ou para modificar a verdade sobre um fato relevante.
Sobre o crime de falsa
identidade, é fundamental lembrar que o mesmo só estará configurado caso
seja baseado em identidade real, isto é, de pessoa que exista, não
havendo tipificação caso seja baseada em avatares ou personagens. No
entanto, as condutas praticadas por personagens poderão configurar
outros crimes a depender do seu conteúdo, o que eventualmente levará à
responsabilização dos autores, ainda que disfarçados.
Além disso, também é
importante ter em mente que o crime de falsa identidade é subsidiário,
somente podendo ser imputado a alguém caso a conduta não constitua crime
mais grave, como o estelionato, por exemplo. Cabe, ainda, dizer que o
fato de um perfil ser declaradamente falso não o isenta de consequências
jurídicas, o que ocorrerá, por exemplo, quando houver ofensas à honra
de alguém ou ameaças. Em todos os casos, os perfis podem ser denunciados
nas próprias redes sociais por mecanismos específicos, legalmente
retirados do ar por decisão judicial, além do que as vítimas poderão vir
a ser indenizadas.
Por muito tempo se
disse que a Internet dependia de regulamentação e que, por isso, os
crimes digitais não podiam ser punidos. Mas, considerando-se a
classificação dos crimes digitais em próprios (ou puros) e, ainda, dos
crimes digitais impróprios (ou mistos), essa ideia torna-se
absolutamente equivocada já que muitas ações praticadas com uso da
tecnologia já podiam ser alvo de investigação e processo penal. Crimes
digitais próprios ou puros são também conhecidos como delitos de risco
informático e cujo bem jurídico é a segurança da informação, os dados e a
integridade dos sistemas. Crimes digitais impróprios ou mistos são
aqueles cujo envolvimento com a tecnologia se resume à utilização de
meios digitais como meio para sua prática e como exemplos mencionamos os
crimes contra a honra, o estelionato e os relacionados à pornografia
infantil. Então não é e nunca foi verdade que os crimes digitais não
podiam ser punidos, pelo menos aqueles considerados impróprios. Eis,
portanto, um panorama dos crimes envolvendo perfis falsos nas redes
sociais.
Ocorre que há um
projeto de lei (de autoria do Deputado Nelson Marchezan Junior) que
pretende alterar o crime do art. 307 sob o argumento de que “a lei 12.737,
de 2012, que dispôs sobre a tipificação penal de delitos informáticos,
não tratou especificamente dessa conduta, tendo se debruçado sobre a
invasão de dispositivo informático, a interrupção ou perturbação de
serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de
informação de utilidade pública e a falsificação de cartão de crédito ou
débito” de modo que “faz-se necessário complementar a legislação penal,
tipificando o uso de falsa identidade através da rede mundial de
computadores” o que é algo muito equivocado.
Neste sentido, vejamos a atual redação do art. 307 do Código Penal:
“Falsa identidadeArt. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.”
O projeto de lei 7.758/14 prevê o seguinte:
“Art. 1º Esta lei tipifica penalmente o uso de falsa identidade na rede mundial de computadores.Art. 2º O art. 307 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:Art. 307. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade, inclusive por meio da rede mundial de computadores ou qualquer outro meio eletrônico, com o objetivo de prejudicar, intimidar, ameaçar, obter vantagem ou causar dano a outrem, em proveito próprio ou alheio:Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.”
Em primeiro lugar, o
projeto como proposto não tem um parágrafo único como menciona o seu
art. 2º, mas apenas uma alteração no caput do art. 307 do Código Penal,
portanto o próprio projeto fala uma coisa e propõe outra...
Em segundo lugar, a
proposta pretende tratar do assunto como se as condutas de criação de
perfis falsos nas redes sociais fosse algo que, por ser atividade
recente praticada com uso de tecnologia, demandaria intervenção na
legislação penal. Vimos acima que isso é um tremendo equívoco.
Em terceiro lugar, o
argumento para a necessidade de intervenção penal neste caso é falho
porque não faz o menor sentido criar uma figura típica apenas porque
determinado crime passou a ser praticado com o auxílio de uma ferramenta
tecnológica. Seria como criar um crime específico de homicídio para
casos em que houvesse o uso de arma de fogo ou um pedaço de pau!
Evidentemente, algumas ferramentas (como a Internet) podem propiciar uma
exposição bastante maior da vítima em determinados casos. Mas isso não
seria justificativa para a criação de um novo tipo penal e sim de uma
figura agravada ou qualificada do delito já existente.
Mas o pior não é isso. O projeto se justificaria se fosse uma proposta para aumentar a pena da conduta prevista no art. 307 caso fosse praticado em ambiente da Internet, mas sequer previu pena maior para esta situação. A pena é idêntica à prevista no Código Penal. Então, indaga-se: para quê esta mudança? Mais uma mudança que seria absolutamente inócua na prática.
Mas o pior não é isso. O projeto se justificaria se fosse uma proposta para aumentar a pena da conduta prevista no art. 307 caso fosse praticado em ambiente da Internet, mas sequer previu pena maior para esta situação. A pena é idêntica à prevista no Código Penal. Então, indaga-se: para quê esta mudança? Mais uma mudança que seria absolutamente inócua na prática.
Por fim, não fosse isso
suficiente, o texto do art. 307, segundo o projeto, passaria a contar
com as finalidades especificas de “prejudicar, intimidar, ameaçar”, o
que é prejudicial porque “prejudicar” é termo atécnico e vago, e caso
seja a intenção de ameaçar, o crime de ameaça já seria imputado a título
de concurso de crimes. Intimidar, por fim, é pressuposto da ameaça.
Vê-se, portanto, que o projeto não merece prosperar nos termos em que se
encontra.
Lembramos que em casos
de Direito Digital, quase sempre é melhor deixar a legislação como está
do que promover alterações pontuais desprovidas de análise contextual,
até porque a tecnologia muda muito mais rapidamente que qualquer
intervenção legislativa. Sabemos que nossos legisladores são ávidos por
alterações pontuais, o que auxilia-os a ganhar destaque nas mídias,
embora as mudanças propostas representem pouca efetividade em vários
casos. Mas isso deve ser evitado.
Em Direito Digital, é
preciso parar com as tentativas de invenção da roda e, mais do que
nunca, é caso de ouvir especialistas que sejam reconhecidamente
autoridades no assunto antes de cometer equívocos ao modificar a
legislação.
*Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado CEO do escritório Almeida Camargo Advogados, doutor em Direito pela FADISP e mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU.
*Marcelo Xavier de Freitas Crespo
é advogado do escritório Crespo & Santos Advogados, especialista em
Direito Digital, doutor e mestre pela USP, possui pós-graduação em
Segurança da Informação pela Universidade de Salamanca.
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