quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Rdialista da cidade areial é vitima de fake, nas redes sociais, Perfis falsos nas redes sociais e o projeto de lei 7.758/14

Marcelo Xavier de Freitas Crespo e Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos

 É inquestionável que as redes sociais se tornaram extremamente populares e, para muitos, praticamente se confundem com a própria Internet. Mas apesar das benesses propiciadas pelo uso da tecnologia tais como a realização de negócios, amizades, relacionamento afetivos e até mesmo casamentos, fato é que, por diversas vezes, as redes sociais servem de ferramenta para a prática dos mais variados ilícitos. E muitos deles estão relacionados a perfis falsos também conhecidos como “fakes” (termo oriundo do vernáculo bretão e que significa “falso”).


Uma das principais questões sobre os perfis falsos nas redes sociais diz respeito ao uso não autorizado de imagens de terceiros muitas vezes disseminando conteúdos que afrontam a honra, expondo as vítimas ao ridículo e a situações constrangedoras. Evidentemente, pelo apelo natural de suas imagens as pessoas públicas são grandes vítimas potenciais, mas não são as únicas, haja vista ser cada vez mais comum pessoas não públicas serem igualmente alvo deste tipo de ilícito.
Quando o Código Penal foi redigido não se podia prever o nascimento da Internet e das redes sociais. Mesmo assim, nossa legislação prevê alguns crimes de falsidade que, inclusive, se aplicam às condutas perpetradas por meios tecnológicos.
Nesta perspectiva, são bastante comuns na Internet os crimes de falsa identidade e a falsidade ideológica. No primeiro deles alguém se passa por outrem, utilizando dados e até mesmo senhas, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano. As credenciais de acesso a uma rede social, por exemplo, quando usadas por outra pessoa que não o seu titular, com o fim de obter vantagem ou causar dano, pode ser subsumida ao crime do art. 307 do Código Penal (falsa identidade). No segundo caso, há inserção de dados falsos ou omissão de algo que deveria constar, em documentos públicos ou particulares, com intenção de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. Esses documentos podem ser formulários constantes de páginas da Internet ou mesmo das redes sociais. Nada mais é, portanto, do que mentir em um documento, ou alterar seu conteúdo, para modificar o direito de alguém (criando, modificando ou extinguindo um direito ou uma obrigação) para obter algum tipo de vantagem, ou para modificar a verdade sobre um fato relevante.
Sobre o crime de falsa identidade, é fundamental lembrar que o mesmo só estará configurado caso seja baseado em identidade real, isto é, de pessoa que exista, não havendo tipificação caso seja baseada em avatares ou personagens. No entanto, as condutas praticadas por personagens poderão configurar outros crimes a depender do seu conteúdo, o que eventualmente levará à responsabilização dos autores, ainda que disfarçados.
Além disso, também é importante ter em mente que o crime de falsa identidade é subsidiário, somente podendo ser imputado a alguém caso a conduta não constitua crime mais grave, como o estelionato, por exemplo. Cabe, ainda, dizer que o fato de um perfil ser declaradamente falso não o isenta de consequências jurídicas, o que ocorrerá, por exemplo, quando houver ofensas à honra de alguém ou ameaças. Em todos os casos, os perfis podem ser denunciados nas próprias redes sociais por mecanismos específicos, legalmente retirados do ar por decisão judicial, além do que as vítimas poderão vir a ser indenizadas.
Por muito tempo se disse que a Internet dependia de regulamentação e que, por isso, os crimes digitais não podiam ser punidos. Mas, considerando-se a classificação dos crimes digitais em próprios (ou puros) e, ainda, dos crimes digitais impróprios (ou mistos), essa ideia torna-se absolutamente equivocada já que muitas ações praticadas com uso da tecnologia já podiam ser alvo de investigação e processo penal. Crimes digitais próprios ou puros são também conhecidos como delitos de risco informático e cujo bem jurídico é a segurança da informação, os dados e a integridade dos sistemas. Crimes digitais impróprios ou mistos são aqueles cujo envolvimento com a tecnologia se resume à utilização de meios digitais como meio para sua prática e como exemplos mencionamos os crimes contra a honra, o estelionato e os relacionados à pornografia infantil. Então não é e nunca foi verdade que os crimes digitais não podiam ser punidos, pelo menos aqueles considerados impróprios. Eis, portanto, um panorama dos crimes envolvendo perfis falsos nas redes sociais.
Ocorre que há um projeto de lei (de autoria do Deputado Nelson Marchezan Junior) que pretende alterar o crime do art. 307 sob o argumento de que “a lei 12.737, de 2012, que dispôs sobre a tipificação penal de delitos informáticos, não tratou especificamente dessa conduta, tendo se debruçado sobre a invasão de dispositivo informático, a interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública e a falsificação de cartão de crédito ou débito” de modo que “faz-se necessário complementar a legislação penal, tipificando o uso de falsa identidade através da rede mundial de computadores” o que é algo muito equivocado.
Neste sentido, vejamos a atual redação do art. 307 do Código Penal:
“Falsa identidade
Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.”
O projeto de lei 7.758/14 prevê o seguinte:
Art. 1º Esta lei tipifica penalmente o uso de falsa identidade na rede mundial de computadores.
Art. 2º O art. 307 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
Art. 307. Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade, inclusive por meio da rede mundial de computadores ou qualquer outro meio eletrônico, com o objetivo de prejudicar, intimidar, ameaçar, obter vantagem ou causar dano a outrem, em proveito próprio ou alheio:
Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave.”
Em primeiro lugar, o projeto como proposto não tem um parágrafo único como menciona o seu art. 2º, mas apenas uma alteração no caput do art. 307 do Código Penal, portanto o próprio projeto fala uma coisa e propõe outra...
Em segundo lugar, a proposta pretende tratar do assunto como se as condutas de criação de perfis falsos nas redes sociais fosse algo que, por ser atividade recente praticada com uso de tecnologia, demandaria intervenção na legislação penal. Vimos acima que isso é um tremendo equívoco.
Em terceiro lugar, o argumento para a necessidade de intervenção penal neste caso é falho porque não faz o menor sentido criar uma figura típica apenas porque determinado crime passou a ser praticado com o auxílio de uma ferramenta tecnológica. Seria como criar um crime específico de homicídio para casos em que houvesse o uso de arma de fogo ou um pedaço de pau! Evidentemente, algumas ferramentas (como a Internet) podem propiciar uma exposição bastante maior da vítima em determinados casos. Mas isso não seria justificativa para a criação de um novo tipo penal e sim de uma figura agravada ou qualificada do delito já existente.

Mas o pior não é isso. O projeto se justificaria se fosse uma proposta para aumentar a pena da conduta prevista no art. 307 caso fosse praticado em ambiente da Internet, mas sequer previu pena maior para esta situação. A pena é idêntica à prevista no Código Penal. Então, indaga-se: para quê esta mudança? Mais uma mudança que seria absolutamente inócua na prática.
Por fim, não fosse isso suficiente, o texto do art. 307, segundo o projeto, passaria a contar com as finalidades especificas de “prejudicar, intimidar, ameaçar”, o que é prejudicial porque “prejudicar” é termo atécnico e vago, e caso seja a intenção de ameaçar, o crime de ameaça já seria imputado a título de concurso de crimes. Intimidar, por fim, é pressuposto da ameaça. Vê-se, portanto, que o projeto não merece prosperar nos termos em que se encontra.
Lembramos que em casos de Direito Digital, quase sempre é melhor deixar a legislação como está do que promover alterações pontuais desprovidas de análise contextual, até porque a tecnologia muda muito mais rapidamente que qualquer intervenção legislativa. Sabemos que nossos legisladores são ávidos por alterações pontuais, o que auxilia-os a ganhar destaque nas mídias, embora as mudanças propostas representem pouca efetividade em vários casos. Mas isso deve ser evitado.
Em Direito Digital, é preciso parar com as tentativas de invenção da roda e, mais do que nunca, é caso de ouvir especialistas que sejam reconhecidamente autoridades no assunto antes de cometer equívocos ao modificar a legislação.
 


*Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado CEO do escritório Almeida Camargo Advogados, doutor em Direito pela FADISP e mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU.
*Marcelo Xavier de Freitas Crespo é advogado do escritório Crespo & Santos Advogados, especialista em Direito Digital, doutor e mestre pela USP, possui pós-graduação em Segurança da Informação pela Universidade de Salamanca.

Nenhum comentário:

Postar um comentário